Jorge Cortás Sader Filho
Jorge Cortás Sader Filho, nascido em Niterói na
mesma casa onde vive até hoje.
Advogado, Procurador de Niterói aposentado,
colunista político do Vote Brasil, hoje fechado
em virtude de doença do seu diretor. Autor de
cinco obras, quatro publicadas: "A Regra do
Jogo", "Contos e Crônicas no Portal Literal",
"Contos e Crônicas Selecionadas" e "Lamparina de
Oratório Velho". Sem edição, servindo para
concorrer em concursos literários, o romance
curto "Casarão".
E autor do acervo do Portal Literal,
http://www.portalliteral.com.br
e escreve para o Pravda, sem vínculos políticos,
http://port.pravda.ru/
.
Luz Jorge Cortás Sader Filho
Aurora que desponta no horizonte trazendo tanta luz qual fosse fonte de amor, compreensão, cândida harmonia removendo das gentes a agonia.
Vai para longe a treva da malvada ira, que faz terrível enxurrada e tanto leva abaixo, destruindo sonhos, ilusões, tudo o mais bem-vindo.
Mas brilha o Sol, a Terra se ilumina — brumas cinzentas que antes envolviam somem, a escuridão por fim termina.
Cantam todos, é grande esta alegria despertando do sono que dormiam... A velha e escura noite fez-se dia!
Tempo cinza
Jorge Cortás Sader Filho
Já havia colocado a pesada japona usada na
marinha, lã pura, azul fechado. Antes de sair,
esquentou o café ainda fresco que havia tomado
antes de vestir roupa para o frio. Colocou na
caneca de cerâmica e bebeu em pequenos goles,
estava delicioso.
Saiu, desceu a escada, um só lance, pois estava
no primeiro andar, abriu a porta do edifício
velho, mas muito bem conservado, como todos do
local. Uma rajada de vento frio açoitou-lhe o
rosto.
“Diabos soltos, vento e neve fina”, pensou.
Meteu as mãos nos bolsos, estava sem luvas, não
gostava de usar, incomodava, tirava o tato.
Colocava quando não tinha jeito mesmo, o frio
era selvagem.
O relógio no poste mostrava dez e quinze, boa
margem para chegar ao grande escritório da
redação. Duas quadras, não seria penoso aguentar
aquele maldito vento gelado no rosto. Lembrou-se
de Sofia Irinova, sua pele macia e quente, seu
corpo aconchegante. Estaria esperando com as
instruções e a papelada, formalidades
indispensáveis para o encontro com o presidente.
Conseguira a entrevista, fato quase impossível,
graças ao seu amigo Timothy Bancroft-Hinchey,
diretor da edição em português do Pravda. Não é
qualquer jornalista, por mais conhecido e
importante que seja que se aproxima do todo
poderoso Vladimir Putin, o mais forte político
da Federação Russa. Forte e temido, havia sido o
último chefe da KGB, o serviço secreto da Rússia
comunista. O assunto era a compra de aviões
militares, principalmente caças, e interessava
ao governo tanto a venda, como a divulgação da
notícia, que poderia ser dada por um ministro ou
militar que trabalhasse na área, mas não. Desta
feita o próprio Putin queria passar a
informação, valendo-se dela para usufruir
pessoalmente as vantagens do bem sucedido
negócio russo com o governo brasileiro.
Sofia Irinova resplandecia beleza no seu vestido
cor terra de siena queimada. A calefação
transmitia uma intimidade naquele espaçoso
escritório onde a fumaça dos cigarros era
intensa. “Mas como fumam, estes russos! Fumam,
bebem e comem.” Alan acendeu também um cigarro,
enquanto saboreava outro café, desta vez
oferecido por Sofia, cujo corpo perfeito estava
modelado pela roupa justa. Guardou a papelada
numa pasta pequena, que a bela jornalista russa
havia lhe passado, junto com os documentos.
O almoço não poderia ter sido melhor. Batatas
cozidas cobertas de creme de leite, salmão
defumado guarnecido com aspargos, arroz e vinho
branco. Trocaram carícias e passariam o fim de
semana juntos, no apartamento dela. Havia mudado
de roupa para o encontro.
Putin, como sempre, estava num elegante terno
cinza claro, gravata vermelha e fala solta. Quem
o imagina mudo ou reticente está enganado.
Quando interessa, o homem fala pelos cotovelos.
Era o caso, a notícia correria os jornais
europeus e americanos. Venda de armamento sempre
é manchete destacada, os concorrentes que
perderam o negócio amarguram a derrota, as
fábricas perdem dinheiro e prestígio.
Reunião terminada e rua novamente. Parada
obrigatória para tomar um conhaque da Armênia,
mais café, e outro cigarro. Quinta-feira, ele
estava perto de ficar colado a Sofia, e semana
seguinte, Rue du Faubourg Poissonnière uma vez
mais. Paris, França. Ouviu os passos próximos,
olhou para trás e não gostou do que viu. Rápido
o chaveiro que era colocado num mosquetão de
escalada e no rapel, tão em moda, serviu para
ser usado como um soco-inglês. O golpe desferido
foi na têmpora esquerda do tipo. Marginal, sem
dúvida, a polícia não perderia tempo apurando
quem havia feito tão bom trabalho.
Alan fizera o serviço militar nas forças
especiais francesas, treinadas contra o
terrorismo urbano. Sabia como se defender, e
sabia também que quanto mais cedo fora da
Rússia, melhor. Sofia Irinova ficava para a
próxima, e no dia seguinte estava outra vez
bebendo um tinto num bistrô na esquina do
Boulevard Poissonnière com a Faubourg
Poissonnière, perto da estação do metrô Bonne
Nouvelle. Tão logo o verão carioca terminasse,
voltaria para o pequeno, mas muito confortável
apartamento na Rua Barão da Torre. Os dias
cinzentos ficariam luminosos e coloridos.
O Concertista
Todos sabem da
dificuldade de um homem comum transformar-se em
concertista famoso, capaz de grande audiência em
teatro que se apresente. A dedicação diária ao
instrumento, sempre num prazo mínimo de quatro
horas faz com que muitos nem pensem em tamanho
trabalho.
No seu
camarim, solitário como preferia ficar sempre, o
pianista Eduardo André olhava-se no espelho,
ajeitando-se da melhor forma possível. Traje
apropriado para apresentação de grande gala,
camisa alva, passada com carinho, sapatos
elegantes, vestiam o homem de pouco mais de
quarenta anos que, por si só, já dispensava
maiores comentários.
Eduardo
André nascera e crescera um homem muito bonito.
Beleza rara; era externa, no seu rosto bem
feito, olhos profundamente significativos e seus
cabelos longos, sem exagero, onde já se viam
fios grisalhos. Mas a sua beleza exterior não
se comparava a interior, fina, requintada, que
desde menino demonstrou quando sentava para
tocar piano. Devido a pouca idade, ainda não
podia frequentar o Conservatório, fato que não
impediu que aos quatorze anos já fosse conhecido
como um grande talento, graças aos excelentes
professores que o seu pai, professor
universitário de Física não havia descuidado.
Observando com a mulher a vocação até mesmo
desmedida do filho, não permitiu que se
perdesse o talento do jovem que no momento se
vestia com apuro, penteava os cabelos e ouvia um
murmúrio de platéia grande, bebia aos pequenos
goles fino conhaque, intercalado com café,
hábito que havia adquirido quando fez um longo
aperfeiçoamento com o pianista Tamás Vásáry,
talvez o maior do mundo atual. Quando Eduardo
André voltou ao Brasil, Vásáry falou apenas,
dando um forte abraço, "sucesso, maestro.
Encante o mundo."
A família
de Eduardo André mantinha relações com pessoas
de nível intelectualmente elevado, já que tanto
pai como mãe, eram professores respeitados.
Dentre as amizades, havia um casal que tinha uma
belíssima filha, que Eduardo André sempre
lastimou a sua pouca idade. Marta era uma
menina, ele só podia admirar. Mas levou sua
imagem enquanto estava na Europa, estudando.
Jamais se esquecera de um só fio dos seus
cabelos dourados, sua educação esmerada, ainda
que tivesse apenas quinze anos.
Olhou o
relógio. Nestes momentos, há um conflito muito
grande que se passa na alma do artista. Ao
mesmo tempo em que aguarda ansioso dar o melhor
de si aos atentos ouvintes que lotam o teatro,
ele sente a mais profunda solidão. Afinal, vai
enfrentar ouvidos educados, músicos famosos e
sempre presentes.
O jovem
concertista deu uma olhada final no grande
espelho. Estava muito bem, mas a frase dita
pelo seu mestre não lhe saia da cabeça.
"Encante o mundo"...
Levantou-se e foi direto para o palco; as
cortinas já tinham sido abertas e seu nome
anunciado. Eduardo preferia assim. Não gostava
da outra forma de apresentação, a que quando as
cortinas se abrem o pianista já está sentado
diante do instrumento de cauda longa,
afinadíssimo e com brilho incomum sob as luzes
do palco.
Entrou
calmamente, com um sorriso sincero que agradava
aos homens e entusiasmava as mulheres. Com a
mais absoluta elegância, cumprimentou o público
curvado-se enquanto a mão esquerda segurava de
leve a extremidade do piano, olhando logo depois
para todos que conseguia. Qual não foi seu
espanto quando seus olhos viram Marta, já uma
mulher e que ele soubera casada. Linda, num
belo contraste do seu vestido negro com os seus
cabelos dourados.
Ajeitou-se com elegância no banco e tocou. Seus
dedos pareciam estar movidos por força
estranha. O repertório era Chopin, e a emoção
por pouco não leva a Eduardo André compor, como
o mestre, em pleno recital, uma peça semelhante
a Grande Polonese. A visão de Marta havia
tocado profundamente o concertista, que a cada
toque sutil, delicado ou vibrante, mais se
entusiasmava, nunca havia acontecido este fato
antes.
A cada
música que se sucedia, os aplausos, como a
música executada, estavam num crescendo. Há
muito a platéia do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro não tinha o encantamento pelo qual
estava passando. A música enchia o belo teatro,
descendo pela sua escadaria, espalhando-se
maravilhosamente.
Terminado
o concerto, Eduardo, como não poderia deixar de
ser, foi aplaudido de pé e as aclamações fizeram
que ele voltasse ao piano mais duas vezes.
Quando
mais uma vez agradeceu com a elegância
característica, viu que Marta batia palmas e
lançava um belo sorriso.
As
cortinas fecharam-se por definitivo. O jovem
concertista, de cujos olhos saiam lágrimas de um
amor que não se realizou, molhavam sua face e
Marta não saberá nunca que o concerto foi dado
para ela..
Publicado no Pravda em 02/01/2011
http://port.pravda.ru/sociedade/02-01-2011/30983-concertista_cortas-0/
http://aduraregradojogo24x7.blogspot.com.br/
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